Atualmente, acredita-se que a patogênese da pré-eclâmpsia mais importante envolva placentação deficiente, predisposição genética, falha de tolerância imunológica, exacerbação inflamatória sistêmica, desequilíbrio angiogênico e deficiência nutricional. O avanço do conhecimento sobre a pré-eclâmpsia aumenta a conscientização de que existem subtipos ou fenótipos de apresentação. Nesse contexto, a pré-eclâmpsia não é apenas um distúrbio placentário, mas um processo de estresse no sinciciotrofoblasto. No início da gestação esse estresse pode decorrer por má perfusão materna secundária à má placentação e no final da gestação por fatores da gestação relacionados ao crescimento exagerado ou a senescência placentária, que causam má perfusão e hipóxia.
Para melhorar a compreensão da fisiopatologia da pré-eclâmpsia, as teorias mais importantes foram integradas em dois estágios (pré-clínico e clínico), descritos por Redman e Sargent. No primeiro, alterações no desenvolvimento placentário e na circulação uterina respondem por hipóxia da placenta, com desenvolvimento de estresse oxidativo e produção de fatores inflamatórios e antiangiogênicos. No segundo estágio, fatores liberados pela disfunção placentária lesam o endotélio sistemicamente e a gestante manifesta hipertensão arterial e comprometimento de órgãos-alvo, sendo as alterações glomerulares responsáveis pela proteinúria. Roberts e Hubel propuseram uma teoria mais complexa, na qual associam esses estágios a fatores constitucionais maternos. Além disso, como a maioria das alterações metabólicas da pré-eclâmpsia resulta da exacerbação das modificações observadas na gestação normal, é possível que, em gestantes com fatores predisponentes (obesidade, síndromes metabólicas, doenças responsáveis por resposta inflamatória crônica basal), alterações placentárias sutis e até mesmo próximas da normalidade, sejam suficientes para induzir o segundo estágio, ou seja, a forma clínica da doença.
Estudos mostram que, apesar da etiologia desconhecida da pré-eclâmpsia, mulheres com obesidade ou índice de massa corporal elevado (IMC > 30 kg/m2), hipertensão arterial crônica, diabetes pré-gestacional e lúpus eritematoso sistêmico apresentam maior risco para o desenvolvimento da doença.
DIAGNÓSTICO
Pré-eclâmpsia: manifestação de hipertensão arterial identificada após a 20ª semana de gestação, associada à proteinúria significativa e/ou disfunção de órgãos-alvo (Quadros 1 e 2);
Pré-eclâmpsia sobreposta à hipertensão arterial crônica: esse diagnóstico deve ser estabelecido em algumas situações específicas: 1) quando, após 20 semanas de gestação ocorre aumento da concentração da proteinúria detectada na primeira metade da gestação (superior a três vezes o valor inicial) ou seu aparecimento, quando não detectada na primeira metade da gestação; 2) na ocorrência de disfunção de órgãos-alvo; 3) quando ocorrer disfunção uteroplacentária (restrição do crescimento, alterações relevantes dopplervelocimetricas, descolamento prematuro da placenta, óbito fetal).
PRÉ-ECLÂMPSIA COM SINAIS E/OU SINTOMAS DE DETERIORAÇÃO CLÍNICA
Recomenda-se que as pacientes com pré-eclâmpsia sejam avaliadas quanto à presença de sinais/sintomas de comprometimento clinico e/ou laboratorial, mantendo-se atenção para a deterioração clinica progressiva. Os principais parâmetros clínicos e laboratoriais a serem diagnosticados e receberem assistência são: crise hipertensiva, sinais de iminência de eclâmpsia, eclâmpsia (crise convulsiva), rebaixamento de nível de consciência (sineclâmpsia), síndrome HELLP, oligúria, insuficiência renal aguda, dor torácica e edema pulmonar.
UTILIZAÇÃO DOS BIOMARCADORES PARA AUXÍLIO NO DIAGNÓSTICO
O uso dos biomarcadores (proteínas produzidas pela placenta, que podem ser determinadas no sangue periférico materno) pode auxiliar no diagnóstico e seguimento de casos suspeitos de pré-eclâmpsia, ainda não confirmados. Proteínas antiangiogênicas, como a tirosina quinase 1 solúvel semelhante a fms (sFlt-1) e fatores de crescimento placentário proangiogênicos (PlGF), correlacionam-se direta e inversamente, respectivamente, com o início da doença. Endotélio saudável é resultado do equilíbrio entre fatores angiogênicos, como PlGF e VEGF, e antiangiogênicos, como sFlt-1. O desequilíbrio na proporção desses biomarcadores prediz a pré-eclâmpsia. Diretrizes internacionais, como o Reino Unido, incorporaram concentrações plasmáticas de fatores proangiogênicos e antiangiogênicos e a relação sFlt-1/PlGF em suas recomendações. Propõe-se a determinação da razão entre o fator solúvel semelhante a tirosina quinase 1 (sFLT-1) e fator de crescimento placentário (PlGF) em situações de dificuldade em se afastar/confirmar o diagnóstico de pré-eclâmpsia. Neste contexto, alterações na razão sFlt-1/PlGF tem demonstrado grande auxilio, principalmente na exclusão de pré-eclâmpsia em casos suspeitos, mas também como ferramenta auxiliar, em casos selecionados para o diagnóstico de pré-eclâmpsia em casos graves.
Em relação à razão sFLT/PLGF merecem destaque:
• É uma aliada no diagnóstico da pré-eclâmpsia, principalmente para AFASTAR seu diagnóstico;
• NÃO DEVE ser usada isoladamente, na primeira metade da gestação, para predição de pré-eclâmpsia;
• Deve ser realizada apenas em gestantes com suspeita clínica de pré-eclâmpsia entre 24 e 36 6/7 semanas (sem substituir os exames para diagnóstico);
• NÃO DEVE ser realizada ”de rotina” após a confirmação do diagnóstico de pré-eclâmpsia;
• NÃO DEVE ser realizada “de rotina” em gestantes SEM suspeita clínica de pré-eclâmpsia, como “rastreio”
O fator angiogênico PlGF, usado de forma isolada, é atualmente recomendado pelo National Institute for Health and Care Excellence (NICE), para avaliação de gestantes com suspeita de pré-eclâmpsia no Reino Unido. Um estudo sobre o desempenho do teste de PlGF em mulheres com suspeita de pré-eclâmpsia em Moçambique confirmou que as mulheres com baixa concentração de PlGF tinham maior probabilidade de serem diagnosticadas e apresentaram menor intervalo de tempo entre o diagnóstico e o parto.
Interpretação da razão sFLT / PLGF em cenário clínico
▪ Razão sFlt-1/PLGF < 38: exclui o diagnóstico da pré-eclâmpsia por pelo menos uma semana, e mesmo que o diagnóstico de pré- eclâmpsia se confirme nesse período é pouco provável a manifestação de formas graves da doença.
▪ Razão sFlt-1/PLGF > 85 (< 34 semanas) ou > 110 (> 34 semanas): deve chamar atenção para o diagnóstico de pré-eclâmpsia, em um cenário de suspeita clínica, não confirmada ainda por exames habituais. O diagnóstico deve ser considerado.
▪ Razão sFlt-1/PLGF > 38 e < 85 (< 34 semanas) ou > 38 e < 110 (> 34 semanas): nesses casos, se a suspeita clinica persistir, recomenda-se considerar o diagnóstico de pré-eclâmpsia.
PRÉ-ECLÂMPSIA PRECOCE OU TARDIA
Considerando a idade gestacional em que ocorre a manifestação clínica, a pré-eclâmpsia pode ser classificada em precoce (< 34 semanas) ou tardia (> 34 semanas). São subtipos da doença em que a isquemia e estresse oxidativo do trofoblasto ocorrem por mecanismos fisiopatológicos distintos, que conduzem a desfechos materno-fetais diferentes. O mecanismo fisiopatológico predominante na pré-eclâmpsia precoce seria a placentação defeituosa que determina a isquemia placentária, o que explica a ocorrência precoce e grave da doença, o achado comum de alterações dopplervelocimetricas e a alta associação com restrição do crescimento fetal.
Por outro lado, na pré-eclâmpsia tardia o desenvolvimento placentário inicial é normal, mas o estresse oxidativo do trofoblasto se instala na gravidez avançada. Esse decorreria de compressão das vilosidades coriais por falta de espaço na placenta madura ou por senescência trofoblástica, por envelhecimento placentário precoce. A pré-eclâmpsia de início tardio frequentemente se associa a síndromes metabólicas, inflamação e comprometimento endotelial crônicos, sendo comuns a presença de obesidade e doenças crônicas.
Edição 08. Agosto/2025. Assessoria Médica – Lab Rede
Referência: Korkes HA, Ramos JGL. De Oliveira LG, Sass N, Perçoli JC, Cavalli RC, Martins-Costa SH, de Sousa FLP, Cunha Filho EV, Mesquita MRS, Corrêa Jr MD, Araujo ACPF, Zaconeta ACM, Freire CHE, Rocha Filho EAP, Costa ML. Pré-eclâmpsia – Protocolo 2025. Rede Brasileira de Estudos sobre Hipertensão na Gavidez (RBEHG), 2025. Disponível em https://rbehg.com.br/wp-content/uploads/2025/04/Protocolo-RBEHG-2025-PDF-2.pdf