Alterações do hemograma no paciente crítico


A abordagem do paciente crítico é desafiadora e requer ferramentas diagnósticas sensíveis e confiáveis. Nesse contexto, o hemograma tem fundamental relevância, uma vez que fornece informações quantitativas e qualitativas a respeito dos elementos celulares do sangue, refletindo a influência de diferentes sistemas em seus parâmetros, o que o torna um importante recurso no diagnóstico diferencial, no monitoramento de doenças e na avaliação de respostas a terapias.

ASPECTOS TÉCNICOS E INTERFERENTES PRÉ-ANALÍTICOS

O hemograma é realizado a partir de amostra de sangue coletada em um tubo com anticoagulante, geralmente o EDTA. A amostra é processada em analisadores automatizados, que analisam grandes quantidades de dados, obtidos por métodos como impedância e citometria de fluxo. No entanto, apesar da evolução dos analisadores automáticos, a identificação de células atípicas ou imaturas ainda é dependente da avaliação morfológica do esfregaço de sangue por microscopia ou métodos digitais de análise de imagem. É fundamental que o laudo do hemograma possibilite ao assistente identificar se a avaliação morfológica foi realizada. Além disso, é importante reconhecer que erros pré-analíticos podem ocorrer durante o processo de coleta, manipulação e processamento das amostras, com potencial de afetar os resultados.

ALTERAÇÕES NO HEMOGRAMA E SIGNIFICADO CLÍNICO

A anemia, definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como Hb < 13 g/dL, para adultos do sexo masculino, e 12 g/dL, para o feminino, é comum em pacientes criticamente enfermos, podendo acometer até 97% daqueles em unidades de terapia intensiva (UTI). Sua ocorrência está associada a desfechos adversos, incluindo falha no desmame da ventilação mecânica, infarto do miocárdio tipo 2 e maior risco de morte, o que torna fundamental sua identificação e manejo precoces. De maneira geral, as anemias resultam de dois mecanismos, que podem estar presentes isoladamente ou combinados: 1. Comprometimento da síntese de hemácias (anemias arregenerativas, caracterizadas por níveis normais ou baixos de reticulócitos em resposta a anemia); 2. Redução da vida útil dos eritrócitos por hemólise ou sangramentos agudos (anemias com resposta medular preservada, caracterizada pela elevação de reticulócitos). No paciente crítico, a anemia mais comum é a arregenerativa de mecanismo multifatorial, associada a fatores como inflamação, perdas sanguíneas, comprometimento renal e carências nutricionais. Nos casos em que a redução na vida útil das hemácias é um fator da gênese da anemia, as principais causas são a hemólise, o sangramento gastrointestinal ou procedimentos invasivos, além das perdas sanguíneas por excesso de coletas de exames. A flebotomia diagnóstica, frequentemente negligenciada como causa de anemia em pacientes críticos, pode representar uma perda diária de até 70 mL de sangue.

Alterações dos leucócitos são de ocorrência comum nos doentes críticos, podendo ter importância no diagnóstico diferencial, na avaliação prognóstica e de resposta terapêutica desses pacientes. Além disso, índices com base na contagem de certos subtipos de leucócitos no sangue periférico têm se mostrado biomarcadores úteis em quadros infecciosos, como para diagnóstico de bacteremia (razão neutrófilo-linfócito > 12,65) e infecção por vírus Influenza (razão linfócito-monócito ≤ 2,06).

Alterações das plaquetas: Enquanto elementos celulares fundamentais na hemostasia e na regulação imune, também são amplamente influenciadas pelos processos patológicos que envolvem os pacientes críticos. A queda de contagem das plaquetas (trombocitopenia ou plaquetopenia) é a alteração quantitativa das plaquetas mais comum em pacientes de emergência e UTI, afetando de 15 a 60% dos doentes, sendo mais frequente em indivíduos submetidos a procedimentos cirúrgicos ou vítimas de trauma. Sua intensidade é um marcador de gravidade em pacientes críticos, correlacionando-se com escores mais altos de SAPS, MODS e APACHE, além de ser um preditor independente de mortalidade. Além disso, a plaquetopenia está associada a maior tempo de internação hospitalar e permanência em UTI.

CMV: citomegalovírus; HCV: vírus da hepatite C; IBP: inibidores de bomba de próton; CIVD: coagulação intravascular disseminada; SHU: síndrome hemolitico-uremica; LES: lúpus eritematoso sistêmico; SMD: síndrome mielodisplásica. ATENÇÃO: a queda de plaquetas em pacientes em uso de heparinas deve aventar a suspeita de trombocitopenia induzida pela heparina (HIT), especialmente em pacientes com trombose concomitante e nos primeiros 10 dias de exposição ao medicamento.

Por outro lado, uma contagem de plaquetas elevada (plaquetose ou trombocitose) e menos comum nesse contexto, e, quando presente, geralmente está associada a estados inflamatórios, infecções, trauma, deficiência de ferro ou asplenia. As doenças mieloproliferativas crônicas, como a trombocitenia essencial, também são causas de plaquetose e seu reconhecimento e importante, uma vez que cursam com maior risco de eventos trombóticos.

O hemograma desempenha um papel fundamental na avaliação e no monitoramento de pacientes criticamente doentes. As alterações nos leucócitos, nos eritrócitos e nas plaquetas fornecem informações valiosas a respeito do estado hematológico, imunológico e prognostico desses pacientes. A compreensão adequada dos parâmetros hematológicos e suas alterações é essencial para uma abordagem terapêutica adequada e um melhor cuidado dos pacientes críticos.

Edição 03. Março/2024
Assessoria Médica – Lab Rede

Referência: Afonso Celso Almeida Cardoso. Principais alterações laboratoriais do hemograma no paciente crítico. In Recomendações da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/ML): exames laboratoriais na medicina de emergência / organização Leonardo de Souza Vasconcellos [et al.]. 1. ed.

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