Choosing Wisely: Uso de exames laboratoriais


A Choosing Wisely International é uma iniciativa, hoje multinacional, para ajudar médicos e engajar pacientes em diálogos sobre excessos de intervenções, colaborando para escolhas sábias em saúde.

Tendo como princípios norteadores liderança por profissionais da saúde; visão centrada no paciente, foco principal em qualidade, segurança e equidade, embasamento em evidências; o projeto engaja diversas sociedades médicas para que apontem, através de listas de recomendações, condutas que não devem ser indiscriminadamente adotadas, fazendo com que os especialistas reflitam sobre os procedimentos de sua atividade.

A primeira lista de recomendações da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML) foi lançada em 2018, quando a sociedade aderiu ao programa. Esta lista abordou recomendações sobre uso adequado de 5 exames laboratoriais, através de alertas sobre situações em que a sua utilização não estaria indicada como a triagem populacional para 25-hidroxivitamina D; testes moleculares para pesquisa de HPV de baixo risco tumoral; VHS para caracterização de um processo inflamatório em pacientes ainda sem diagnóstico definido; dosagem de mioglobina ou CK-B no diagnóstico de infarto agudo do miocárdio (IAM), quando deve-se usar troponina I ou T; exame genético da APOE como um teste preditivo para a doença de Alzheimer.

O Departamento de Tireóide da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia também havia publicado, anteriormente, recomendações sobre exames laboratoriais relacionados à avaliação da glândula que foram: não solicitar T3 reverso (rT3) na avaliação de função tireoidiana; não solicitar tireoglobulina sérica na avaliação inicial de nódulos de tireoide; não utilizar marcadores moleculares na avaliação inicial de pacientes com nódulo de tireoide; não repetir exames de auto-anticorpos (anti-tireoperoxidase – Anti-TPO e/ou anti-tireoglobulina) no seguimento de pacientes com hipotireoidismo por tireoidite de Hashimoto com exame anterior positivo.

Em 2019, a SBPC/ML publicou a segunda lista, elaborada com a colaboração de seus associados para nortear os especialistas, dessa e de outras áreas, com as recomendações: evite exames laboratoriais pré-operatórios de rotina, sem indicação clínica, para cirurgias de baixo risco; não solicite múltiplos exames na avaliação inicial de pacientes com suspeita de doença tireoidiana, solicite o Hormônio Tireoestimulante (TSH) e, se anormal, prossiga com avaliação adicional ou tratamento dependendo dos achados; não realize triagem com CA-125 ou ultrassom para câncer de ovário, em pacientes de baixo risco do sexo feminino; não realize repetição de Carga Viral de Hepatite C em pacientes sem uso de terapia antiviral; não solicite teste genético para HFE para pacientes sem sobrecarga de ferro evidenciada ou sem histórico familiar de Hemocromatose Hereditária.

Em 2021, a Sociedade Brasileira de Infectologia divulgou recomendações Choosing Wisely relacionadas à medicina laboratorial: não use culturas de swab para o diagnóstico microbiológico de úlceras infectadas; não solicite cultura de urina para pacientes assintomáticos; não use testes treponêmicos no seguimento de pacientes tratados para sífilis; não teste IgG para Toxoplasma no seguimento de pacientes imunocompetentes e não repita IgG para Toxoplasma em pacientes com teste de IgG previamente positivo; não use testes sorológicos para diagnosticar ou rastrear infecção por vírus herpes simplex, HSV-1 Ee HSV-2, na população geral.

A lista do Choosing Wisely Brasil – SBPC/ML (2023) foi desenvolvida por membros da SBPC que compuseram uma força tarefa para examinar e selecionar recomendações de sociedades internacionais relacionadas ao diagnóstico laboratorial. A força tarefa selecionou 10 recomendações iniciais que foram então submetidas a votação dos associados da SBPC/ML para escolha da lista final de 5 recomendações. A redação final foi submetida à avaliação de todos os comitês técnicos que compõem a SBPC/ML. A terceira lista Choosing Wisely Brasil – SBPC/ML recentemente publicada traz recomendações transcritas a seguir, integralmente:

1. NÃO SOLICITE SOROLOGIA PARA H PILORY

Exames para o diagnóstico de infecção por H pilory só devem ser solicitados naquelas situações em que existe indicação de tratamento caso o resultado seja positivo. A avaliação sorológica para determinar a presença ou ausência de infeção por H pilory não é considerada clinicamente útil. Quando indicado, existem métodos alternativos que demonstram maior utilidade clínica, sensibilidade e especificidade. O American College of Gastroenterology e a American Gatroenterology Association recomendam o teste respiratório da urease e a pesquisa do antígeno fecal como as modalidades de exame preferenciais para a infecção ativa do H pilory, nos casos em que a investigação esteja indicada.

2. NÃO REPITA O EXAME DE HEMOGLOBINA GLICADA (HBA 1C) EM MENOS DE 3 MESES EM PACIENTES ESTÁVEIS

A vida útil da HBA 1c é de aproximadamente 90 a 120 dias, e os efeitos completos de uma mudança de comportamento, dieta e ajustes de medicamentos não poderão ser totalmente apreciados até que toda a HBA1c em circulação seja completamente substituída (aproximadamente 90 dias). Portanto, testes em intervalos de tempos inferiores a 3 meses, podem não oferecer um prazo suficiente para avaliar se o objetivo esperado pelo médico foi atingido. A realização da HBA1c em intervalos de 6 meses pode ser recomendada em indivíduos que alcançaram consistentemente as metas glicêmicas.

3. NÃO UTILIZE O TEMPO DE SANGRAMENTO PARA GUIAR DECISÕES CLÍNICAS

O Tempo de Sangramento é um exame antigo, que vem sendo substituído por outros, que avaliam a coagulação de maneira confiável. Não foi estabelecida relação entre Tempo de Sangramento e o risco real de sangramento pelo paciente. Existem outros exames de coagulação disponíveis para avaliar o risco de sangramento do paciente.

4. NÃO SOLICITE PROCALCITONINA SEM UM PROTOCOLO BEM ESTABELECIDO, BASEADO EM EVIDÊNCIAS

A Procalcitonina é um biomarcador que tem sido utilizado para identificar pacientes com certas infecções bacterianas, como por exemplo sepse. O uso apropriado inclui dosagens seriadas (normalmente diárias) em pacientes selecionados (por exemplo, pacientes com febre e infecções graves presumidas, para os quais foi iniciado antimicrobiano). Dessa maneira, ela auxilia na identificação de pacientes de baixo risco com infecções respiratórias que não se beneficiariam de terapia antimicrobiana, e na diferenciação entre contaminantes de hemoculturas (ex: Staphylococcus coagulase negativos) de infecções verdadeiras. Quando utilizada de maneira apropriada, leva a oportunidades significativas de redução do uso desnecessário de antimicrobianos. A superutilização de agentes antimicrobianos está diretamente relacionada ao desenvolvimento de resistência antimicrobiana, de forma que o uso criterioso desses agentes deve ser garantido. Quando a procalcitonina é mal utilizada e os algoritmos estabelecidos não são seguidos, o exame perde seu significado, há custo, mas não há benefício ao paciente. Estes cenários ocorrem com frequência quando não há um protocolo institucional bem estabelecido e baseado em evidências. É importante que o laboratório e a liderança da unidade de terapia intensiva estabeleçam os protocolos mais apropriados para o contexto local e monitorem o uso adequado do exame.

5. NÃO UTILIZE SWABS PARA COLETA DE AMOSTRAS PARA CULTURA MICROBIOLÓGICA EM ESPÉCIMES CIRÚRGICOS

Para recuperação ideal dos microrganismos, sempre que possível, devem ser enviadas amostras de tecido ou fluidos e secreções coletadas em seringas ou frascos estéreis. Apesar destas recomendações, muitos laboratórios continuam recebendo swabs, mesmo em situações nas quais amostras de tecido ou fluidos e secreções estão disponíveis. Em alguns casos, ambos (tecido e swab) podem ser coletados simultaneamente para cultura. Amostras de swab não são ideais para exames microbiológicos porque, neste cenário, amostras de tecido ou fluidos e secreções têm maior especificidade e são mais propensas a refletir o processo patológico que está sendo investigado e há evidências de que os swabs não oferecem benefícios, aumentando custos. A eliminação de swabs, sempre que possível, e o envio apenas de tecidos, fluidos e secreções resolve estes problemas e resulta em um uso mais eficiente dos recursos e do pessoal do laboratório.

Um aspecto importante é que as recomendações de Choosing Wisely não devem ser usadas para estabelecer decisões ou exclusões de cobertura. Em vez disso, elas pretendem estimular a conversa sobre o tratamento adequado e necessário. Como cada situação do paciente é única, os clínicos e os pacientes devem usar as recomendações como diretrizes para determinar um plano de tratamento adequado em conjunto.

Edição 11. Novembro/2023.
Assessoria Médica – Lab Rede

Referências
1. Choosing Wisely do Departamento de Tireoide da SBEM. Disponível em https://www.tireoide.org.br/choosing-isely-dodepartamento-de-tireoide-da-sbem/ última consulta em 26/09/2023.
2. Recomendações da Choosing Wisely Brasil da Sociedade Brasileira de Infectologia. Disponível em https://infectologia.org.br/recomendacoes-da-choosing-wisely-brasil-da-sociedade-brasileira-de-infectologia/ última consulta em 26/09/2023.
3. Série Choosing Wisely Brasil – SBPCML. Disponível em https://www.bibliotecasbpc.org.br/index.php?P=4&C=446 última consulta em 26/09/2023.

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