Diretriz de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose de 2025 atualiza e expande os conceitos da versão de 2017, e, avançando para a estratificação progressiva até os níveis de risco muito alto e risco extremo, inclui os fatores clássicos, mas também biomarcadores, como Lipoproteina (a) [Lp(a)], Apolipoproteína B (ApoB) e Proteína C Reativa – ultrassensível (PCR-us), além de ferramentas de imagem para detecção de aterosclerose subclínica, como o escore de cálcio coronariano (CAC). Com base nessa estratificação ampliada, as metas terapêuticas tornam-se mais intensivas para aqueles em risco extremo.
Estão destacados a seguir, os apontamentos referentes à coleta do perfil lipídico, recomendações sobre o cálculo do colesterol LDL (LDL-c) e as atualizações sobre metas de LDL-c, colesterol não-HDL (não-HDL-C) e ApoB e a recomendação da dosagem da Lp(a).
Sobre a coleta, a diretriz recomenda coletar a amostra para a realização do perfil lipídico idealmente em condição metabólica estável. Para a avaliação inicial, é aceitável obter a amostra sem jejum, em particular em populações selecionadas, como crianças e idosos. Se triglicérides estiverem elevados (> 440 mg/dL) em amostra sem jejum, recomenda-se nova coleta em jejum de 12 horas, de acordo com critério do médico solicitante.
Para o cálculo do LDL-c, a diretriz recomenda o uso da equação de Martin/Hopkins para todos os indivíduos e salienta que, quando os valores de triglicérides estão acima de 800 mg/dL, os resultados de LDL-c pela fórmula de Martin podem estar subestimados, então recomenda-se a avaliação do não-HDL-c. O não-HDL-c representa a fração do colesterol nas lipoproteínas plasmáticas, exceto a HDL, e é estimado subtraindo-se o valor de HDL-c do valor de CT: não-HDL-c = CT – HDL-c. A utilização do não-HDL-c tem a finalidade de estimar a quantidade de lipoproteínas aterogênicas circulantes no plasma, especialmente em indivíduos com TG > 150 mg/dL.
A ApoB é a principal proteína estrutural presente nas lipoproteínas aterogênicas, atuando como ligante para o receptor do LDL. Sua dosagem fornece uma estimativa direta da concentração total de partículas lipídicas aterogênicas plasmáticas, já que existe uma única molécula de ApoB em cada lipoproteína aterogênica: LDL, VLDL, IDL e Lp(a). Na população geral, as concentrações de LDL-c e ApoB estão altamente correlacionadas, e, portanto, em geral fornecem informações semelhantes sobre o risco de Doença Cardiovascular (DCVA).
A medida da ApoB pode auxiliar na avaliação de risco cardiovascular (CV) e guiar a terapia em indivíduos com triglicérides (TG) > 150 mg/dL. O não-HDL-c é atualmente uma escolha mais prática porque pode ser facilmente calculado e não acarreta despesas adicionais para o paciente ou para o sistema de saúde.
Em indivíduos com diabetes, obesidade ou síndrome metabólica, frequentemente associados a níveis elevados de TG, a mensuração isolada do LDL-c pode subestimar a concentração total de lipoproteínas contendo ApoB. Estima-se que pode haver discordância de LDL-c e ApoB em cerca de 20% desses indivíduos. Neste cenário, o não-HDL-c (indiretamente) e ApoB (diretamente) fornecem uma avaliação mais precisa.
Na comparação entre o não-HDL-c e a ApoB, estudos populacionais têm considerado que ambos são marcadores equivalentes de risco CV e isso se aplica à maioria das pessoas. Por outro lado, há publicações que apontam um subgrupo de indivíduos, entre 8 e 23%, que apresenta discordância entre ApoB e não-HDL-c, sendo a ApoB melhor preditor de risco de calcificação coronariana e evento CV. A ApoB também oferece medidas mais precisas das lipoproteínas aterogênicas, mediante LDL-c muito baixo. É importante ressaltar que seus níveis não são significativamente alterados no estado pós-prandial em indivíduos com triglicérides < 400 mg/dL. Uma limitação do uso da ApoB é que os seus limiares para iniciar ou intensificar terapia farmacológica não estão bem estabelecidos, quando comparados com níveis LDL-c e não-HDL-c.
Lipoproteína (a) ou Lp(a) é uma partícula semelhante à LDL, na qual a ApoB é covalentemente ligada a uma molécula denominada apolipoproteína(a). Além dos efeitos pró-aterogênicos, a Lp(a) tem efeitos pró-inflamatórios, provavelmente relacionados à sua carga de fosfolipídios oxidados, e efeitos pró-trombóticos, por se assemelhar ao plasminogênio. Suas concentrações plasmáticas não são influenciadas por dieta, idade, sexo, estado de jejum ou estilo de vida, sendo (> 90%) determinadas geneticamente. Os valores individuais são geralmente estáveis ao longo da vida e, portanto, medidas repetidas não são necessárias. A determinação da Lp(a) é desafiadora, pois existe variação entre os métodos analíticos, em parte relacionada à sua estrutura, que pode ser amplamente variável em tamanho. Recomenda-se o uso de ensaio independente da isoforma, expressando o resultado em nmol/L. A unidade mg/dL pode ser utilizada apenas quando não houver alternativa, mas não é o método preferencial.
Uma concentração de Lp(a) > 50 mg/dL (ou > 125 nmol/L) é encontrada em cerca de 20% dos indivíduos de ascendência europeia e sul-asiática, em 40% dos indivíduos afro-americanos e em menos de 10% dos indivíduos do leste asiático. As concentrações de Lp(a) geralmente são 5 a 10% maiores nas mulheres. Em homens, Lp(a) permanece relativamente constante, enquanto em mulheres os níveis tendem a apresentar um discreto aumento no climatério.
Estudos populacionais têm demonstrado que quanto mais elevados os níveis de Lp(a), maior é o risco de IAM e calcificação da valva aórtica. Níveis elevados de Lp(a) também aumentam o risco de DCVA recorrente, de maneira dose- dependente. É importante ressaltar que Lp(a) elevada é um fator de risco mesmo em indivíduos com níveis baixos de LDL-c. Na prevenção primária, para os pacientes com Lp(a) ≥ 50 mg/dL (ou ≥ 125 nmol/L) é recomendado aconselhamento mais precoce e intensivo sobre modificação do estilo de vida e gerenciamento de outros fatores de risco. No cenário da prevenção secundária, a presença de um nível elevado de Lp(a) é fortemente preditiva de eventos recorrentes e sugere a necessidade de intensificação da terapia de redução de LDL-c e controle.
Valores Referenciais do Perfil Lipídico – A atualização sugere que os valores referenciais e de alvo terapêutico do perfil lipídico (adultos > 20 anos) sejam apresentados de acordo com o estado, sem jejum ou com jejum de 12 horas, que antecede a coleta da amostra. Para o LDL-c e o não-HDL-c os valores referenciais de alvo terapêutico variam de acordo com o risco cardiovascular, estimado pelo médico solicitante. A estratificação de risco foi refinada em cinco categorias: baixo, intermediário, alto, muito alto e extremo risco. A nova categoria, risco extremo, inclui pacientes com histórico de múltiplos eventos cardiovasculares ateroscleróticos maiores ou um evento cardiovascular aterosclerótico maior, com duas ou mais condições de alto risco. A diretriz traz as ferramentas para categorização de risco.
Os parâmetros CT, HDL-c, LDL-c e não-HDL-c não sofrem influência do estado alimentar. Para TG sem jejum, o valor desejável é < 175 mg/dL, enquanto para coleta em jejum (12h), o valor desejável é < 150 mg/dL. Para Lp(a), o valor < 75 nmol/L (< 30 mg/dL) é usado para estratificação de risco CV, sem meta terapêutica definida.
Edição 10. Outubro/2025. Assessoria Médica – Lab Rede Referência: Rached et al. Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose – 2025. Arq Bras Cardiol. 2025; 122(9):e20250640. Disponível em: https://abccardiol.org/article/diretriz-brasileira-de-dislipidemias-e-prevencao-da-aterosclerose-2025/