Doença de Alzheimer (DA), uso e interpretação de biomarcadores


Diante dos recentes avanços no campo dos biomarcadores da DA, o objetivo principal do artigo foi estabelecer recomendações quanto ao uso racional e interpretação dos biomarcadores da DA na prática clínica. Essas recomendações podem servir como um guia para médicos que atendem pacientes com comprometimento cognitivo e demência. Antes da solicitação de biomarcadores da DA, uma avaliação clínica estruturada deve ser realizada (histórico detalhado, exame físico e neurológico e avaliação cognitiva/funcional).

A assinatura neuropatológica da DA inclui placas amiloides, formadas por depósitos extracelulares de peptídeos beta-amiloides (Aβ), e emaranhados neurofibrilares (ENFs) formados por agregados intracelulares de proteínas tau (p-tau) hiperfosforilada, reação inflamatória, ativação de astrócitos e micróglias, bem como perda sináptica e neuronal.

Os biomarcadores do líquido cefalorraquidiano (LCR) mais amplamente validados e estudados são as proteínas que caracterizam a DA: o peptídeo Aβ42 e a p-tau. No LCR, a DA é caracterizada por uma redução no Aβ42 e um aumento na p-tau. Recentemente, o Aβ40 foi incluído no painel de biomarcadores diagnósticos para DA, pois as evidências mostram que a proporção Aβ42/Aβ40 supera a acurácia da dosagem isolada do Aβ42, demonstrando melhor concordância com a positividade do PET amiloide. O peptídeo Aβ40 tem altos níveis de concentração no LCR e não varia na DA, ao contrário do Aβ42. Isso faz com que a proporção Aβ42/Aβ40 no LCR diminua gradualmente à medida que a doença progride. O declínio mais acentuado nos níveis de Aβ42 no LCR ocorre no início do processo patológico da doença, seguido por estabilidade relativa à medida que a doença evolui. Em contraste, os níveis de proteína tau se alteram lentamente ao longo do curso da doença.

Os principais ensaios usados para medir p-tau quantificam a p-tau181, que apresentou a melhor acurácia na diferenciação de pacientes com DA de controles cognitivamente saudáveis ou outras demências degenerativas. Ensaios usando p-tau231 e ptau199 também demonstraram boa precisão. A proporção dos níveis de p-tau/Aβ42 também se mostrou útil no diagnóstico da DA, com uma sensibilidade de 91,6% e uma especificidade de 85,7%. Mais recentemente, vários estudos indicaram que p-tau217 é a isoforma tau fosforilada com as primeiras alterações, aumentando no LCR e no plasma ao mesmo tempo em que o PET amiloide se torna positivo e antes das alterações do PET tau. A p-tau total (t-tau) mede todas as isoformas de p-tau, independentemente do estado de fosforilação, portanto, não é específica para DA, podendo estar aumentada em outras condições neuronais e tem sido cada vez mais substituída por outros marcadores de neurodegeneração, especialmente o neurofilamento de cadeia leve (NfL), que, por sua vez, também não é específico para DA, mas é promissor, pois pode prever a progressão da doença e potencialmente a resposta a tratamentos.

Apesar de vários estudos demonstrarem a boa precisão dos biomarcadores do LCR para DA, um dos maiores desafios tem sido a significativa variabilidade entre os laboratórios. Essa variabilidade leva frequentemente os clínicos a desconsiderar os resultados do LCR quando eles não estão de acordo com a hipótese diagnóstica e a buscar métodos de neuroimagem molecular como biomarcadores. Entre os principais biomarcadores para DA, a medição do Aβ42 é a mais afetada pela fase pré-analítica. Resultados falsamente reduzidos, ou potenciais falsos positivos, podem ocorrer devido à adsorção do peptídeo nas paredes dos tubos usados para coleta de LCR. A razão Aβ42/Aβ40 mostra menos variação do que a concentração de Aβ42. A recomendação é usar tubos de polipropileno de baixa ligação (low-binding) para coleta e armazenamento de LCR, evitando tubos de vidro. Outros fatores interferentes incluem manuseio de amostras, transferências de tubos (aliquotagem), ciclos de congelamento e descongelamento e temperatura de armazenamento.

Um aspecto enfatizado é que a análise do LCR é recomendada em casos de demência rapidamente progressiva, demência de início precoce ou demências atípicas, para excluir doenças infecciosas, inflamatórias autoimunes ou neoplásicas. Nesses casos, o exame do LCR deve incluir contagem de hemácias e células nucleadas, análise diferencial de leucócitos, dosagem da proteína total e níveis de glicose. Se houver suspeita de infecção, a análise deve incluir estudo laboratorial de doenças venéreas, coloração de Gram, testes fúngicos e bacilos álcool-ácido resistentes e cultura com antibiograma. A critério do médico, outras análises podem ser incluídas (por exemplo, pesquisa de células neoplásicas, reações imunológicas específicas ou pesquisa de banda oligoclonal).

Nos últimos anos, houve uma melhoria significativa nas tecnologias que permitem a medição do peptídeo Aβ e diferentes epítopos da p-tau no plasma. A mais recente disponibilidade de ensaios de plasma para esses biomarcadores foi possível pelo desenvolvimento de técnicas mais precisas, pois a concentração plasmática dessas proteínas é muito menor do que no LCR. O uso de ensaios baseados em espectrometria de massa ou imunoensaios mais sensíveis tornou a medição desses biomarcadores no plasma uma realidade. Em comparação com métodos bem estabelecidos de LCR e PET, os biomarcadores plasmáticos oferecem uma opção menos invasiva, mais viável e potencialmente mais econômica para a prática clínica. No entanto, a validação desses biomarcadores de plasma continua em desenvolvimento e, atualmente, eles não podem ser usados sozinhos para diagnóstico.

Entre os biomarcadores de neuroimagem para avaliação da DA, destacam-se os métodos de neuroimagem estrutural, como a tomografia computadorizada (TC) e a ressonância magnética (RM), além das técnicas de medicina nuclear. Os métodos de neuroimagem molecular e medicina nuclear incluem a cintilografia cerebral convencional, adquirida em câmeras gama em formato tridimensional — tomografia computadorizada por emissão de fóton único (SPECT, single-photon emission computed tomography) — e a PET.

A RM tem superioridade reconhecida na detecção de condições gerais, como sangramento, AVC, edema e anormalidades de imagem relacionadas à amiloide (ARIA, amyloid-related imaging abnormalities). A RM é muito útil na avaliação inicial de indivíduos com demência devido à sua capacidade de detectar causas estruturais (por exemplo, doença cerebrovascular) ou causas potencialmente reversíveis (por exemplo, neoplasias benignas) de declínio cognitivo.

Enquanto biomarcadores fluidos (LCR e plasma) refletem a produção ou depuração das formas solúveis de proteinopatias, os traçadores PET marcam os agregados insolúveis, medindo os efeitos cumulativos das proteinopatias e fornecendo informações sobre a distribuição neuroanatômica da patologia. O PET avaliando o metabolismo da glicose ([18F]-Fluordeoxiglicose ou PETFDG), a perfusão cerebral por SPECT e a RM podem identificar sinais de neurodegeneração (estadiamento “N”).

A seguir estão destacadas, resumidamente, as recomendações para uso dos biomarcadores para DA:

  • As solicitações dos biomarcadores devem ser feitas por médicos bem treinados, geralmente das seguintes especialidades médicas: Geriatria, Neurologia e Psiquiatria (psicogeriatria) e não devem ser feitas por profissionais médicos que não sejam qualificados para interpretar os resultados e lidar com as consequências do diagnóstico para o paciente e sua família.
  • Os biomarcadores devem ser solicitados apenas para pacientes com sintomas cognitivos e/ou comportamentais (objetivamente demonstrados em testes cognitivos e avaliação clínica), não sendo indicados em indivíduos assintomáticos e pacientes com declínio cognitivo subjetivo (queixas com avaliação cognitiva objetiva normal). Também não são indicados em casos de demência avançada (exceto quando o objetivo é descartar o diagnóstico de DA, o que pode alterar o tratamento; por exemplo, descontinuação de inibidores de colinesterase ou memantina).

  • Os biomarcadores para DA podem ser recomendados nos seguintes contextos clínicos: demências de início precoce ou présenil (início dos sintomas antes dos 65 anos), demências rapidamente progressivas, manifestações atípicas da DA (por exemplo, apresentações não amnésicas) e outras manifestações clínicas atípicas (por exemplo, quando há suspeita de sobreposição de sintomas de duas ou mais demências neurodegenerativas). Podem ser recomendados quando há suspeita de comprometimento cognitivo leve ou demência leve devido à DA e há possibilidade de indicar terapia antiamiloide (ou outras terapias modificadoras da doença que talvez sejam aprovadas no futuro).

  • Os exames laboratoriais e a neuroimagem estrutural (idealmente RM de crânio, com TC como segunda opção) devem sempre ser solicitados para todos os pacientes para excluir etiologias não degenerativas.

  • Os ensaios para biomarcadores do líquido cefalorraquidiano (LCR) devem ser conduzidos em laboratórios com os procedimentos pré-analíticos e analíticos necessários e controle de qualidade conforme exigido pela Alzheimer Association. Os laboratórios devem adotar plataformas automatizadas (por exemplo, imunoensaio de eletroquimioluminescência ou espectrometria de massa) em vez da técnica ELISA e devem fornecer proporções entre analitos no LCR (Aβ42/Aβ40, ptau181/ Aβ42), pois têm melhor precisão do que o valor isolado do analito (especialmente no caso de Aβ42). Os biomarcadores plasmáticos ainda precisam ser validados e ter um certificado de controle de qualidade (uma acurácia aproximada de pelo menos 90% é recomendada em comparação com um PET amiloide ou uma plataforma de biomarcador de LCR já aprovada por agências regulatórias).
  • Há recomendação de cautela na realização de PET amiloide e outros testes de pesquisa amiloide em pacientes com idade igual ou superior a 80 anos devido à alta taxa de positividade em indivíduos assintomáticos nessa faixa etária.

  • O exame do LCR é recomendado como a primeira opção em vez do PET amiloide, pois a medição de biomarcadores no LCR é mais disponível e menos dispendiosa do que o PET amiloide.

  • Em relação aos exames de PET, a sugestão é que sejam realizados com médicos da medicina nuclear experientes na avaliação de PET cerebrais e cuja análise inclua métodos semiquantitativos, não apenas visual. Na ausência de PET-FDG, um SPECT com quantificação pode ser considerado.

  • Está recomendado também que biomarcadores validados do LCR e PET para uso clínico sejam submetidos à ANVISA para aprovação regulatória no Brasil e que biomarcadores aprovados pela ANVISA sejam implementados tanto no SUS quanto no sistema de saúde suplementar.

Edição 02. Fevereiro/2025. Assessoria Médica – Lab

Rede Referência: Diretrizes para o uso e interpretação dos biomarcadores da doença de Alzheimer na prática clínica no Brasil: recomendações do Departamento Científico de Neurologia Cognitiva e do Envelhecimento da Academia Brasileira de Neurologia. Studart-Neto A et al. Dement Neuropsychol 2024;18:e2024C001. https://doi.org/10.1590/1980-5764-DN-2024-C001.

 

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