Marcadores Tumorais Bioquímicos


Marcador tumoral bioquímico circulante é qualquer substância presente no sangue ou em outros fluidos biológicos, produzida primariamente pelo tumor ou, secundariamente, por algum órgão ou tecido, em resposta à sua presença. Eles são importantes ferramentas em oncologia, ainda que, em sua maioria, não tenha poder diagnóstico primário da doença, mas a capacidade de auxiliar na detecção precoce de recidiva e como indicador da efetividade do tratamento. Características do marcador e da população na qual será aplicado condicionam ou não o seu uso para determinada finalidade. Por exemplo, a medida de alfafetoproteína é desaconselhada como triagem populacional de hepatocarcinoma para a população geral, mas é adequada em áreas de alta incidência do tumor, como algumas regiões da África, na China e no Japão e em grupos específicos de pacientes, como os portadores de doenças hepáticas predisponentes a essa neoplasia (p. ex., hepatites virais crônicas, cirrose e hemocromatose).

Outra característica importante dos marcadores tumorais diz respeito à meia-vida, tempo necessário para que a concentração de determinada substância se reduza à metade, a partir do momento que sua produção tenha sido completamente interrompida. Por exemplo, para a alfafetoproteína, a meia-vida é de 5 dias; para o antígeno prostático específico total, é de 3 dias; e, para a gonadotrofina coriônica, de 12 a 20 horas. Se, em um caso particular, a meia-vida observada for significativamente maior do que a esperada, pode-se sugerir que o tratamento não foi efetivo o suficiente para remover totalmente a massa tumoral. O conceito de meia-vida deve ser lembrado quando da interpretação dos resultados em um paciente que esteja sendo monitorado após a instituição de um tratamento, mas também é fundamental ter em mente eventuais alterações nos mecanismos fisiológicos de depuração do marcador. Por exemplo, a fração livre do antígeno prostático específico (PSA), apresenta excreção renal. Pacientes com algum grau de insuficiência renal terão redução da capacidade de depuração dessa fração e, portanto, a meia-vida do marcador estará ampliada.

O bom uso dos marcadores tumorais, assim como de quaisquer outros parâmetros avaliados pelo laboratório clínico, depende do cumprimento de certos requisitos estabelecidos pelas boas práticas laboratoriais.

REQUISITOS PRÉ-ANALÍTICOS

De maneira geral, para a medida da maioria dos marcadores tumorais circulantes, não há necessidade de requisitos pré-analíticos, mas, algumas vezes, a não observância de determinadas condições pode propiciar interpretações equivocadas, como exemplificado a seguir:

  • Dieta: raramente é necessário que o paciente modifique sua dieta antes da coleta da amostra. Um exemplo de marcador que condiciona um regime prévio é o ácido 5-hidroxi-indoleacético;
  • Tipo de amostra: para alguns marcadores, a medida em soro ou plasma, as condições de transporte e de armazenamento podem ser importantes. Para a medida de citocinas, por exemplo, deve-se utilizar plasma e rápida separação das células para minimizar a liberação espúria pelos elementos figurados do sangue. Para a medida do PSA livre ou da enolase neurônio-específica (NSE), é necessário que o soro seja separado do coágulo em, no máximo, 3 horas e a amostra armazenada a 4°C, por períodos de armazenamento curtos ou abaixo de –30°C, para períodos mais longos. Ocorre elevação discreta de CA125 durante a fase menstrual, não sendo indicada a coleta nesse período, especialmente se os resultados forem comparados com os obtidos em outra fase do ciclo menstrual. Igualmente, devem ser evitadas as coletas de amostras para a medida do PSA total, por exemplo, após ejaculação, a realização de procedimentos como exame digital retal ou na vigência de processo infeccioso de vias urinárias.

REQUISITOS ANALÍTICOS

Os requisitos analíticos para a medida dos marcadores tumorais são os mesmos utilizados para outros parâmetros, com a utilização de controles de qualidade internos e externos. Os métodos utilizados devem ter desempenho avaliado periodicamente e é desejável que os coeficientes de variação intraensaio e interensaio sejam menores que 5% e 10%, respectivamente. Eventualmente, será necessária a medida seriada dos marcadores tumorais, motivo pelo qual as diluições devem ser muito precisas e reprodutíveis. Como alguns marcadores podem estar presentes em concentrações extremamente elevadas, pode ocorrer o “efeito gancho”. Diante da suspeita desta ocorrência, a medida do marcador deve ser repetida com duas diluições diferentes da amostra.

Outra questão técnica é a possibilidade de ocorrência de “carregamento” ou “carry-over”. Ainda que os equipamentos automatizados atualmente disponíveis tenham mecanismos protetores para essa eventualidade, é uma situação que deve ser considerada, quando da ocorrência de rotinas com resultados muito elevados em sequência.

REQUISITOS PÓS-ANALÍTICOS

Muitos marcadores tumorais podem apresentar elevações discretas ou moderadas em várias doenças benignas, pelo que, cabe ao laboratório clínico, procurar manter contato com o médico solicitante, auxiliando-o na interpretação dos resultados, lembrando, por exemplo, que uma elevação discreta pode ser decorrente de insuficiência renal crônica ou doença hepática. De maneira ideal, o laboratório deve ter conhecimento de alguns dados clínicos do paciente, trabalhar em equipe com outros especialistas e com o médico solicitante.

Os conjuntos diagnósticos atualmente disponíveis no mercado são produzidos por diferentes fabricantes. Ainda que alguns deles utilizem anticorpos obtidos a partir das mesmas fontes, não há garantia que os resultados sejam equivalentes. A repetição da medida em uma mesma amostra, utilizando diferentes métodos, pode gerar resultados diferentes e, se não levados em consideração, podem induzir o médico a tomar uma decisão inadequada. O European Group on Tumour Markers (EGTM) recomenda a inclusão do nome da técnica utilizada e do fabricante no laudo do exame. Qualquer mudança de método deve ser claramente indicada no laudo por um período de, pelo menos, 6 meses.

ESTRATÉGIAS PARA UM BOM USO DA MEDIDA DE MARCADORES TUMORAIS

Considerando a baixa especificidade da maioria dos marcadores tumorais em relação à sua produção, em algumas situações há dificuldade em se discriminar entre origem benigna ou maligna de níveis elevados. Basicamente, há três critérios que podem auxiliar nessa diferenciação e na interpretação dos resultados de marcadores tumorais.

Concentração – A concentração da maioria dos marcadores tumorais observados na ausência de tumor é, em geral, moderada. Quanto maior a concentração do marcador, maior a probabilidade de presença de tumor maligno. Por exemplo, níveis de enolase neurônio-específica abaixo de 40 ng/mL podem ser detectados em várias condições benignas, mas, acima desse valor, indicam presença de câncer ou amostra hemolisada. Da mesma maneira, concentrações de CA125 e CA19-9 acima de 1.000 UI/mL ou de antígeno carcinoembriônico (CEA) acima de 25 ng/mL sugerem a existência de processo neoplásico, com probabilidade superior a 95%.

Exclusão de doença benigna – Algumas doenças não neoplásicas podem causar elevação de concentração de substâncias utilizadas como marcadores tumorais. Os mecanismos pelos quais ocorre essa elevação dependem do marcador e podem ser classificados em dois grupos principais: mudanças na produção da substância ou em seu catabolismo. A maioria dos marcadores tumorais é catabolizada no fígado e excretada via renal. Mudanças funcionais nesses órgãos poderão causar redução no catabolismo ou na eliminação, resultando em seu acúmulo no organismo. Dessa maneira, é comum o aumento moderado, em torno de 2 a 4 vezes o limite superior de referência em pacientes com cirrose hepática ou insuficiência renal crônica. Podem ser referidos os seguintes marcadores que sofrem essa elevação: CEA, CA-125, ProGRP, Cyfra 21-1. Em pacientes com insuficiência renal crônica, em especial, as concentrações séricas de antígeno do carcinoma de células escamosas (SCCA), S-100 ou proteína epididimal humana (HE4) podem atingir níveis compatíveis aos encontrados em pacientes com doenças malignas. Na vigência dessa condição, a medida desses marcadores não deve ser realizada. Agressões não neoplásicas afetando alguns tecidos podem causar elevações de substâncias consideradas marcadores tumorais. Em geral, as elevações são moderadas. São exemplos de elevações de PSA total na prostatite e na hiperplasia prostática benigna; de CEA na colite ulcerativa e na doença de Crohn. Em algumas doenças, a elevação pode ser tão marcante que valores de referência específicos devem ser adotados, como é o caso do CA125 na presença de derrame pleural ou peritoneal.

Medidas seriadas – Um resultado isolado evidenciando níveis elevados de qualquer marcador tumoral tem um valor muito limitado e deve ser interpretado com cuidado. O diagnóstico de presença de processo neoplásico exige que sejam feitas, pelo menos, duas ou até mesmo, três medidas sequenciais, em intervalos maiores do que a meia-vida do marcador. Os intervalos de 15 ou 20 dias podem ser utilizados para a maioria dos marcadores tumorais. Resultados sequenciais evidenciando tendência à elevação acima do coeficiente de variação interensaio são fortemente sugestivos da presença de neoplasia. Se os níveis séricos não se alterarem significativamente ou mostrarem tendência de queda, com elevado grau de segurança, a causa da alteração não é uma doença maligna. É importante ressaltar que resultados obtidos por diferentes conjuntos diagnósticos, incluindo aqueles com base em um mesmo princípio metodológico, em geral, não se correlacionam bem, fazendo necessária uma atenção especial ao se interpretar resultados seriados obtidos por diferentes ensaios. Uma das causas prováveis para resultados discordantes inclui a diversidade de anticorpos utilizados nos diferentes testes.

Edição 06. Junho/2024

Assessoria Médica – Lab Rede

Referência: Adagmar Andriolo. A Utilidade e os cuidados na medida e interpretação dos resultados de marcadores tumorais bioquímicos circulantes. In Recomendações da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/ML): Boas Práticas em Laboratório Clínico. Organização Nairo Massakazu Sumita [et al.]. 1. Ed. Barueri [SP]: Manole, 2020.

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